Existe algo no DNA indiano que nos predispõe a infringir a lei – ou pelo menos infringi-la sempre que possível? À primeira vista, o turbilhão caótico da vida quotidiana na Índia sugere isso. Os semáforos são tratados como pareceres consultivos, os deveres cívicos como virtudes opcionais e os espaços públicos como responsabilidade de “outra pessoa”. No entanto, o mesmo indiano que consegue rejeitar um sinal vermelho em Deli torna-se um modelo de conformidade em Dubai ou Singapura.
como esta dicotomia civilizacional pode ser explicada? Para começar, vamos rejeitar quaisquer suposições sobre uma tendência “genética” de violar normas. Nenhuma pesquisa científica confiável apoia esta visão. O genoma indiano não está programado para infringir a lei. Em vez disso, há um longo legado que afeta a forma como o indiano médio percebe o Estado, a autoridade, a responsabilidade coletiva e a própria ideia de disciplina cívica. Os índios não infringem a lei porque “é assim que somos”. Eles fazem isso porque o ambiente permite. O Estado é muitas vezes inconsistente e a sociedade raramente pune socialmente o infrator. As leis na Índia são muitas vezes preservadas apenas como textos elevados, separados da realidade viva da implementação.
Nada ilustra melhor isto do que o comportamento dos motoristas indianos. Instale câmeras CCTV, automatize zeladores, elimine a discrição humana e a conformidade disparará. De repente, os indianos, que costumavam considerar as regras de trânsito uma questão de discussão, tornam-se escrupulosamente cautelosos. A mudança é instantânea, quase mágica. porquê Porque a confiança na detecção é o único antídoto para o descumprimento habitual.
Isto não é exclusivo da Índia; as pessoas em todo o mundo mudam o seu comportamento à medida que a vigilância aumenta. Mas na Índia, onde a aplicação discricionária prevalece há muito tempo, a fiabilidade da vigilância aumenta dramaticamente a conformidade. Obedecemos não porque acreditamos na santidade moral da lei, mas porque tememos a inevitabilidade de sermos apanhados. Esta lacuna – entre a moralidade cívica interna e a conformidade imposta externamente – está no cerne do problema.
Os quadros regulamentares da Índia carecem frequentemente de previsibilidade, consistência e autoridade moral. Esta fraqueza é agravada por três realidades. A primeira é a aplicação seletiva. As leis são aplicadas de forma desigual. Os bem relacionados muitas vezes fogem, enquanto o cidadão comum suporta o peso dos funcionários excessivamente zelosos. Isto mina o respeito pelo Estado. O segundo são processos complicados. Historicamente, muitas leis foram concebidas não para governar, mas mais para controlar. O caos burocrático encoraja desvios. O terceiro é a infraestrutura deficiente. Quando os sistemas não funcionam – as estradas são caóticas, as instituições públicas têm falta de pessoal – os cidadãos perdem a fé na capacidade do Estado para fazer cumprir as regulamentações. Num tal ambiente, as regras tornam-se negociáveis. As pessoas não perguntam: “Qual é a lei?” mas “O que posso fazer?”
Existem leis, mas não existe ecossistema – transparente, imparcial, inevitável. Os mesmos indianos que jogam lixo casualmente nas calçadas de Delhi tornam-se modelos de higiene pública em Londres ou Tóquio. Eles param nas faixas de pedestres, permanecem pacientemente nas filas, descartam o lixo de maneira adequada e seguem as regras, apesar dos inconvenientes pessoais. Ninguém os força. Não há mutação repentina em seu DNA durante a imigração. O contexto muda.
Quando o Estado demonstra competência, os cidadãos retribuem com o cumprimento. Portanto, quando um indiano obedece à lei no exterior, não é hipocrisia; é uma evidência de que o comportamento é moldado muito mais pela força institucional do que pelo caráter inerente.
Outra questão que penso frequentemente é por que os indianos mantêm as suas casas escrupulosamente limpas enquanto suportam o lixo que se acumula nas ruas. Por que a higiene pessoal prospera em meio à pobreza civil? É também um produto do condicionamento cultural. Durante séculos, a civilização indiana enfatizou a limpeza interna e doméstica em vez do saneamento público. O mundo “externo” era tradicionalmente visto não como um espaço cívico partilhado, mas como um território mantido por outros – historicamente, as chamadas castas inferiores, que eram encarregadas do trabalho manual de recolha de lixo e saneamento.
Este modelo mental persiste subconscientemente até hoje. Reclamamos do lixo, mas hesitamos em mudar o comportamento que o gera. Exigimos a ordem civil, mas raramente nos vemos como participantes na sua criação. As imponentes montanhas de lixo de Deli – Gazipur, Bhalswa, Okhla – não são apenas desastres ambientais. São símbolos de uma cultura cívica que se recusa a ver o saneamento como uma responsabilidade cívica. Estas montanhas existem porque a segregação de resíduos é amplamente ignorada, os sistemas municipais estão sobrecarregados e com poucos recursos, e nem o Estado nem os cidadãos estão excessivamente preocupados com estes monumentos de sujeira.
Nossa cultura popular muitas vezes romantiza a quebra de regras como esperteza. A corrupção generalizada confirma este sentimento de astúcia. Quando as regras são firmes, as instituições são fortes e a sociedade está unida na aplicação das normas, os indianos tornam-se cidadãos modelo, seja em Singapura ou nas áreas bem policiadas das cidades indianas. Portanto, o desafio não é mudar o genoma indiano, mas sim mudar o ambiente indiano. A transformação do comportamento cívico virá não apenas através da pregação ou da punição, mas através da construção de uma sociedade onde as leis são importantes, os espaços públicos são valorizados, os cidadãos são responsáveis e os governos são muito mais responsáveis e receptivos do que hoje.
(Pawan K. Varma é escritor, diplomata e ex-membro do Parlamento (Rajya Sabha). As opiniões expressas são pessoais)





