Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo.
É uma noção muito falada, 11 palavras simples que resumem ciclos intermináveis de destruição, ignorância e violência ao longo da história. Wagner Moura conhece bem o sentimento. O ator brasileiro cresceu à sombra de uma ditadura militar que foi derrubada quando ele era jovem, apenas para ver o político de extrema direita Jair Bolsonaro assumir o cargo no final da década de 2010. Embora Bolsonaro cumpra agora uma pena de 27 anos por tentativa de golpe, Moura acha terrível, os ecos da tragédia e do fascismo ao longo do tempo são ouvidos por quem escolhe esquecer.
Então ele promete lembrar.
“No Brasil, tivemos essa coisa chamada Lei de Anistia depois da ditadura, que basicamente perdoava torturadores e assassinos e pessoas que faziam todo tipo de coisas desprezíveis a outras pessoas”, disse Moura. “Cresci com a sensação de que faltava alguma coisa na minha memória e na trajetória histórica do país. Quando você apaga alguma coisa, fica difícil seguir em frente com a razão.”
A memória está no centro de “O Agente Secreto”, colaboração de Moura com o roteirista e diretor Kleber Mendonça Filho. Representa o Brasil na corrida de melhor longa-metragem internacional do Oscar, mas também concorre em categorias além dessa. Os dois se conhecem há 20 anos, depois de se conhecerem no Festival de Cannes, quando Mendonça Filho era crítico enquanto Moura divulgava seu filme “Cidade Baixa”. Quando a dupla voltou a Cannes exatamente duas décadas depois com “O Agente Secreto”, tiveram um retorno glorioso: Moura ganhou o prêmio de melhor ator do festival e Mendonça Filho de melhor diretor.
Muitas coisas uniram o ator e o diretor, mas talvez nada mais do que a política compartilhada. Nenhum dos dois suportava o que Moura chamou de “governo hardcore/protofascista” no Brasil no final da década de 2010 e início da década de 2020, considerando-o “difícil para a imprensa, para a universidade, para os artistas. Qualquer pessoa que se manifestasse contra o governo sofreu muitas consequências”.

Nesse ambiente, Mendonça Filho escreveu o filme e adaptou o papel principal de Armando, um professor universitário que se refugia numa identidade assumida, especialmente para Moura. “’O Agente Secreto’ nasceu de nós dois conversando como amigos e dizendo: ‘Como diabos podemos reagir a isso?’”, Disse o ator. “É um filme sobre um cara que segue seus valores, mesmo quando tudo ao seu redor diz o oposto do que ele acreditava.”
Moura destacou a importância de tornar Armando um servidor público numa altura em que os fascistas no poder são “tão espertos para mudar quem é a elite” aos olhos do público: “O verdadeiro grupo de pessoas que são inimigos do povo não são aqueles para quem apontam as suas armas”. (Não deveria ser surpresa que a sócia de Moura, a fotógrafa e documentarista Sandra Delgado, seja ex-jornalista, assim como ele.)
Igualmente importante foi mostrar a chamada ofensa menor que coloca Armando na mira da verdadeira elite. “Há lugares no mundo onde apenas o fato de você ser quem você é – apenas o fato de você ser gay, apenas o fato de você ser negro, apenas o fato de você ser transgênero – coloca sua vida em perigo, e você não precisa fazer nada”, disse ele. “Apenas seja quem você é: é uma coisa perigosa. É exatamente isso que está acontecendo com esse cara. Adoro o fato de que ele não é um lutador pela liberdade. Ele não quer derrubar o governo. Ele não faz nada. Ele apenas segue seus valores.”

“O Agente Secreto” enfatiza o poder da comunidade, construindo raízes com as pessoas ao seu redor e unindo-se diante da opressão. Moura chamou esse conceito de “um remédio contra a loucura” e espera que essas comunidades ao redor do mundo fiquem impressionadas com as ideias do filme.
“Pessoas do futuro ou do passado veem o filme com lentes diferentes”, disse ele. “É interessante porque, quando fizemos esse filme, a sensação do filme era como a época de Bolsonaro no Brasil, a repressão e um cara autoritário. Mas agora o Brasil está em um momento democrático tão grande.
“Acho ótimo que os brasileiros assistam a esse filme em um momento em que pensam: ‘Ah, foi uma ditadura, foi Bolsonaro’, e então comparam e veem como é a vida agora. E o público americano pode dizer: ‘Ah, uma ditadura?
Com alma e sinceridade, Moura retrata um pai que mal consegue se lembrar da mãe e que luta para ser lembrado pelo filho. Esses temas de memória tão integrantes de “O Agente Secreto” remontam à produção do filme, que aconteceu na cidade natal de Mendonça Filho, Recife, local de todos os seus filmes e cidade onde o diretor é “um herói na cidade”, nas palavras de Moura. “É lindo como ele vê sua cidade e sua cultura e usa isso em seus filmes”, disse ele. “É importante que eles se vejam nos filmes e são gratos ao Kleber pelo que ele está fazendo”.

“O Agente Secreto” também marcou o retorno de Moura, que apareceu na tela em seu português natal pela primeira vez em anos. Ele disse que foi uma experiência libertadora que lhe permitiu se conectar com seu passado.
“Quando falo coisas em português, as palavras ficam cheias de memória”, disse. “É diferente, eu sei exatamente qual é a palavra pai significa, mas quando eu digo, tortavem com memória.”
Mas essas palavras também lhe trazem novas lembranças, porque o próprio Moura é hoje pai de três filhos. Embora “O Agente Secreto” seja repleto de duras realidades e situações perigosas, o ator disse que espera que um dia seus filhos possam assisti-lo com orgulho de sua herança e família.
“O pai deles está presente em suas vidas e eles não deveriam considerar isso garantido”, disse ele. “Não que eu seja o melhor pai do mundo, mas tem muita gente que não tem o privilégio de ter os pais por perto. Como brasileiros, acho ótimo para eles verem uma parte da sua cultura, uma parte da sua história.”
Esta história apareceu pela primeira vez na edição de Atores/Diretores/Escritores da revista de premiação TheWrap. Leia mais sobre a edição aqui.







